Desembargador que disse que 'mulheres estão loucas atrás dos homens' será julgado por assédios morais e sexuais contra servidoras
14/10/2025
(Foto: Reprodução) Desembargador do Paraná diz durante sessão que 'mulheres estão loucas atrás dos homens'
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por unanimidade, instaurar processo administrativo disciplinar contra o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
O caso chegou ao CNJ após o desembargador afirmar durante uma sessão da 12ª Câmara Cível do TJ-PR, da qual era presidente, que "as mulheres estão loucas atrás de homens". A frase foi dita em junho de 2024, enquanto os desembargadores decidiam sobre uma medida protetiva proibindo um professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos assediada por ele. Assista ao vídeo acima.
A fala motivou uma inspeção da Corregedoria no TJPR, que identificou outras condutas classificadas pelo órgão como "incompatíveis com o exercício jurisdicional e profissional".
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Entre elas, uso irregular de funcionárias do gabinete como "empregadas domésticas" e cuidadoras da mãe do desembargador, assédios sexuais e morais, além de descaso com o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.
Com os apontamentos, o desembargador paranaense será julgado pelas declarações ofensivas, mas também pelos atos de assédio moral e sexual cometidos desde a década de 80 contra servidoras do TJPR.
A decisão do CNJ manteve também o afastamento de Espíndola, que está fora das funções desde julho de 2024, por determinação do CNJ. Apesar do afastamento, o desembargador segue sendo remunerado. Em agosto, o total de rendimentos de Espíndola foi de R$ 98.570,42.
Quem é o desembargador
O processo administrativo disciplinar deve ser concluído em até quatro meses. A pena máxima, neste caso, é a aposentadoria compulsória – embora afastado da função, não implicaria a perda da remuneração.
A defesa do desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola afirmou que "desconhece o teor da decisão proferida na Reclamação Disciplinar". Confira a nota na íntegra:
"A defesa do Desembargador Luis Cesar de Paula Espíndola informa que, por ora, desconhece o teor da decisão proferida na Reclamação Disciplinar, por lhe ter sido cerceado o direito de participar do julgamento perante o Conselho Nacional de Justiça, ocorrido nesta data, e que adotará as medidas cabíveis no âmbito do respectivo procedimento administrativo, visando restabelecer os direitos e prerrogativas a ele assegurados pela Constituição Federal Brasileira".
O Tribunal de Justiça do Paraná afirmou que "o processo é do Conselho Nacional de Justiça, portanto o TJPR aguardará a decisão e prestará todas os esclarecimentos necessários para o CNJ".
Luis Cesar de Paula Espíndola
TJ-PR
'Protocolos de sobrevivência'
O advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná (OAB-PR), detalhou os motivos que levaram ao afastamento do desembargador.
Entre eles, situações de assédio explícito relatadas pelas servidoras que trabalhavam com Espíndola.
"Caso um: O desembargador sempre fazia referências misóginas em relação às roupas das servidoras: 'E essas pernas de fora?'. Caso dois: 'Como está gostosa, e esse peitão?', e sempre concluía: 'Ah, não posso falar, pois hoje é tudo assédio'. Três: ao ver uma assessora vestindo saia, comentou: 'Se precisar é só levantar essa saia'. Quatro: convidava as assessoras para trabalhar em sua residência e complementava: 'Tem um quarto ao lado do meu para você'", descreveu Casagrande Pereira.
O presidente da OAB-PR também detalhou relatos de importunação sexual colhidos durante a inspeção.
"Um: logo depois que terminou essa inspeção, ele levou as assessoras para comemorar, e achava que não tinha sido flagrado [...] e, comemorando, levou a mão às coxas da assessora ao lado, em maio de 2025. Em outra ocasião, ao subir a escada para pegar um livro, o desembargador mordeu a bunda da assessora. Três: agarrou a assessora. Quatro: abraçou a assessora e passou a mexer na alça do seu sutiã quando ele foi a cumprimentar. [Além de] várias e rotineiras manifestações homofóbicas", detalhou o advogado.
Conforme o presidente da OAB, as servidoras seguiam "protocolos de sobrevivência" para lidar com o desembargador, como o de não ficarem sozinhas com ele em nenhum momento.
Segundo Casagrande Pereira, as ações do desembargador eram "sussurradas a boca pequena no Tribunal de Justiça do Paraná".
O g1 questionou o TJPR sobre a situação, mas a nota encaminhada pelo órgão não respondeu à pergunta.
RELEMBRE O CASO:
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Afastamento total do desembargador
13ª Sessão Ordinária de 2025 no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
G.Dettmar/Ag. CNJ
O relator, corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou a necessidade da manutenção do afastamento do desembargador do Tribunal, não apenas para reparar os danos causados, mas também para prevenir futuras vitimizações.
"Até bem pouco tempo, este senhor estava participando das sessões administrativas do Tribunal de Justiça. [...] O comportamento do requerido transcende a mera inadequação funcional, configurando grave ameaça à integridade física e psíquica dos servidores jurisdicionados com potencial de vitimização de qualquer pessoa que mantenha contato com o magistrado", afirmou Marques.
O corregedor nacional de Justiça disse ainda que a permanência de magistrados que não cumprem normas éticas compromete a confiança da sociedade na Justiça.
"Tais condutas, ao invés de se restringirem no âmbito privado, refletem-se diretamente na credibilidade da função judicial, pois sinalizam a existência de traços de 'intolerância intolerável', permitam-me a redundância, e agressividade incompatíveis com a imparcialidade, a isenção, a prudência, a serenidade, a dignidade exigidas e, sobretudo, o exemplo que deve dar o magistrado", detalhou o corregedor.
Marques destacou ainda que o desembargador apresenta um histórico reiterado de manifestações e posturas incompatíveis com os deveres éticos e funcionais da magistratura.
"Suas condutas evidenciam um padrão de comportamento marcado por conteúdos misóginos e por manifestações de violência simbólica contra as mulheres, em frontal violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade de gênero e do respeito às garantias fundamentais, com desdobramentos concretos expressamente prejudiciais para servidores e demais pessoas que tenham contato diário e ocasional com o desembargador no âmbito daquele tribunal", afirmou Marques.
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Corte julgava proteção a criança assediada
Desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, do TJ-PR
Reprodução
No caso que deu origem à inspeção, o colegiado da 12ª Câmara Cível do TJ-PR analisava um recurso de um professor de uma escola pública do interior do estado. O pedido era para derrubar uma medida protetiva que proibia o professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos.
A decisão considerou mensagens enviadas durante aula para o celular da menina. Além disso, o professor foi investigado e absolvido na área criminal por suspeita de ter importunado a criança.
Por quatro votos a um, o tribunal decidiu manter a medida protetiva. O voto contrário foi o do presidente. Ao justificar o voto, Espíndola disse que não concordava com a atitude, mas que não há provas contra o professor.
"Muito embora essa conduta, né, para alguns não seja própria e eu até concordo que para mim não seria próprio, mas hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê, não só... Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim... de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior."
Logo após o desembargador proclamar o resultado, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte da votação, se manifestou:
"Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino, lamentavelmente, na sociedade que reforça esse machismo estrutural, ou que hoje a gente chama de machismo estrutural, que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, 'uma sua roupa tá com você, tá?' Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor, extremamente constrangedor."
Em seguida, o então presidente da 12ª Câmara Cível voltou a se pronunciar:
"Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia sabe o que existe? Essa é a realidade: as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado... É só sair à noite, eu não saio muito à noite, mas eu conheço, tenho funcionárias, tenho, sabe... tenho contato com o mundo".
"Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem, sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem, essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil, sabe? Isso é óbvio, né? Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres. Vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e, eventualmente, para namorar. Agora, a coisa chegou num ponto hoje em dia que as mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de 'viúva', a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito, é muito, é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, as mulheres ninguém tá correndo atrás de mulher porque tá sobrando."
A 12ª Câmara Civil é a responsável no tribunal por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva. O desembargador Espindola, que presidiu o colegiado, já foi condenado, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Lei Maria da Penha, por agredir a própria mãe e a irmã.
O STJ condenou Espíndola a 7 meses de prisão, mas a pena não foi aplicada porque o caso prescreveu.
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